Crônicas – Experiências Cotidianas e Transposições

1. Passagens da escola para a prática

Recentes manchetes me fizeram a delícia: todas elas trouxeram notícias sobre aproximações e integração entre artes, justamente um dos assuntos principais deste blog. Resolvi escrever esta crônica intitulada “Crônicas – Experiências Cotidianas e Transposições”, após postagem feita pelo meu professor Rodrigo Petrônio, em 27/09/2023, publicada no facebook. Ele fala exatamente sobre isto, citando Roland Barthes, detalhando seus estudos sobre linguagem e interpretação, envolvendo semiologia e semiótica.

Rodrigo Petrônio nos chama a atenção para a necessidade cotidiana (e crescente) de dominar as técnicas das linguagens artísticas existentes. Ele salienta o cuidado que precisamos ter ao “traduzir” mensagens dentre variadas obras de arte. É preciso contar com um bom tempo de prática e ainda com uma considerável bagagem estética para transpor de uma linguagem artística para outra. É possível traduzir, criar, transpor ou mesmo adaptar as obras.

Esta interdisciplinaridade não é somente possível, mas absolutamente desejável: é esplêndido migrar ou passear entre as linguagens existentes, sejam das artes visuais para as orais ou ainda textuais, delas para o cinema ou das musicais para as literárias e teatrais. Assim, viajamos da literatura para o teatro e dele para o cinema ou diretamente da literatura para o cinema; estabelecendo novos caminhos artísticos. E é sobre isso que as reportagens falam 

2. Passagens da música para a literatura e dela, para teatro e cinema

Somente a vivência aprimora o conhecimento inter artes e isto é o que “Crônicas – Experiências Cotidianas e Transposições” mostra através destas análises e aproximações.

Em 18/05/2023, comentei na linha do tempo do facebook que gostaria de acrescentar novos pontos de vista numa polêmica sobre tecnologia x criatividade, redirecionando a questão do emprego de softwares de “IA”, às imersões pessoais e coletivas no desenvolvimento de nossa capacidade cognitiva. Dedução, abdução, indução e inferência, são qualidades cognitivas que a “I.A.” nunca terá, mas nós podemos ampliar nossa capacidade criativa.

Dizia, ainda neste post que devíamos nos lançar a um trabalho contínuo, para melhorar nosso domínio em linguagens múltiplas (música + poesia + artes visuais + prosa + representação (teatro e cinema)), não estacionando somente na avaliação ou escolha de técnicas existentes para o trabalho árduo de pesquisas e analogias, para alimentar aplicativos. Afirmava acreditar que o passo mais coerente nesse sentido, por exemplo, seria o de estudar e praticar mais.

Necessitamos do aprendizado e domínio de linguagens e técnicas artísticas. Precisamos traduzir ou transpor mensagens de narrativas textuais para fílmicas, ou adaptar e promover releituras de obras musicais para o teatro ou para a literatura. Uma narrativa poética pode ser justaposta a romances e roteiros. Na postagem insisti que a vivência interartes é que seria a tônica e acredito nisso. Então mostrei uma obra que nasceu da releitura de uma anterior.

“Realejo dos Mundos”, escrito por Adriana Lisboa, feito a partir da peça multimídia homônima, de Jocy de Oliveira, apresentada em 1987, no Estádio do Remo da Lagoa, no Rio de Janeiro. A escritora e jornalista Josélia Aguiar, na apresentação do livro (com as duas obras),– informa que uma das autoras, a Jocy de Oliveira adaptou o romance de Adriana Lisboa (feito a partir de sua obra multimídia) para o cinema e para o teatro.  

3. Passagens entre o erudito e o popular: diálogo musical

No dia 24/09/2023, li no Caderno Cultura e comportamento C2, do Estadão, que o pianista sergipano João Ventura une, em sua música, Tom Jobim e Beethoven, Adoniran Barbosa e Chopin. O trabalho desse músico é tão arrebatador, que a cantora Madonna o contratou para aproximar duas de suas canções (“Like a Virgin” e “Like a Prayer”) à famosa canção dos Beatles, “Let it Be”. Em geral para um trabalho dessa natureza, ele leva cerca de quatro meses.

Madonna pediu para ele entregar o trabalho – que ele define como um “contraponto” – em quatro dias. Ele não recusou e se apresentou com ela, em Nova York. Compondo na forma de contrapontos, ele trabalha com uma linguagem dentro dos limites existentes entre a música popular e a música erudita. Em geral ele escolhe uma música popular famosa e a acomoda numa peça musical erudita bem conhecida.

Para entrelaçar estas obras musicais criadas em tempos tão díspares e longínquos, mas com alguns traços em comum, ele inclui a reprodução de som instrumental e de sua voz, cantada. Como isso acontece? Ele promove ligeiras adaptações harmônicas, como se as duas músicas tivessem sido criadas originalmente dessa forma. Assim, ele interliga por exemplo, “Insensatez” de Tom Jobim, ao terceiro movimento da “Sonata ao Luar” de Beethoven.   

4. Passagens do teatro para o cinema

No dia 27/09/2023, li também, no Caderno Cultura e comportamento C2, do Estadão, que o filme de Murilo Benício – “Pérola” –, que chega às salas dia 28 agora, se inspira na peça de teatro homônima, de Mauro Rasi. O dramaturgo começou a escrever esta peça em Bauru, em meados de 1994, no dia em que sua mãe morreu. Ressalte-se que muitas das personagens da peça, conviveram com ele em sua cidade natal. A morte da mãe serviu de inspiração.

Em 1997, depois de muito sucesso com apresentações (a peça foi vista por mais de 300 mil pessoas), descrevendo a sensação de apresentar a peça em Bauru e recorrendo à literatura, Rasi disse que se sentia um pouco como Tieta, de “Tieta do Agreste”, aludindo ao romance de Jorge Amado e, também, como a protagonista principal da peça “A Velha Senhora”, do dramaturgo suíço, Friedrich Durrenmatt.

Em “Tieta”, a protagonista principal renegada pelo pai, deixa Santana do Agreste e retorna poderosa, anos depois, para acerto de contas. Em “A Velha Senhora”, a personagem expulsa, também volta para vingança. E nos dois casos, as personagens são prostitutas enriquecidas. Não importa neste momento saber em detalhes como foi feita a passagem da peça para o filme, senão anunciar o feito. Os detalhes, serão vistos com o tempo, neste Blog.

5. Passagens entre épicos : nova leitura dos clássicos

No dia 27/09/2023, li outra vez, no mesmo Caderno Cultura e comportamento C2, do Estadão, que a jovem artista e poeta premiada, Luiza Romão criou um livro de poesia (premiado com o Jabuti de 2022) onde ela promove uma revisão da ‘Ilíada” de Homero, que é uma peça poética que trata da Guerra de Tróia. Sua releitura é desenvolvida através de um ponto de vista feminista.

Luíza Romão foi confirmada como uma das representantes do Brasil para a feira de Frankfurt um importante encontro mundial do mercado de editores. A poeta vem de uma família de artistas: tem um irmão poeta como ela, outro que é um artista visual e sua irmã é fotógrafa. Formada em artes cênicas, Luíza adora slams onde faz performances, declamando poemas em três minutos, num clima de intensa competição.

Os movimentos de poesia falada, diz ela, estimulam muito a romper com essa dicotomia entre o espectador e o artista. E apesar de viver no campo da lírica, um gênero que não necessariamente precisa contar uma história, ela é apaixonada por narrativas. Luiz Romão garante que “a grande questão que eu coloco no livro “Também Guardamos Pedras Aqui”, é pensar por que esses clássicos são esses clássicos e quem define isso.

Ela garante que “importa rediscutir tudo isso e debater por que o Ocidente escolhe uma obra tão violenta e sanguinária, como pedra fundamental de sua literatura”. Se formos ler “Ilíada”, ela afirma, “que seja com esse olhar afiado e com pedras na mão”. E é exatamente a postura de busca e a atitude batalhadora de artistas que pesquisam arte e procuram novas linguagens que este blog privilegia. Este trabalho de bricolagem, na arte, é secular.

Fecho esse post com William Shakespeare. Muito embora este post se pareça com um artigo ou com uma reportagem, o defino como crônica, pois experimentei o amadurecimento do texto, ao longo da semana em que li estes artigos do jornal e do facebook.

Fecho esta “Crônicas – Experiências Cotidianas e Transposições”, então, com o bardo inglês, afirmando que das cerca de 37 obras de sua produção, apenas 5 constituem criações originais. Logo, cerca de 32 das mais respeitáveis obras da literatura mundial, foram transcriadas, recriadas, refeitas ou recompostas.

Só que, William Shakespeare, não apenas transcriou 32 obras, como foi muito, bem além das propostas artísticas originais que retrabalhou: o gênio as emulou, superando todas elas em criatividade, transcendendo em originalidade e conferindo a todas elas extrema qualidade.

Skakespeare tornou todas como obras muito suas, singulares e eternas. Imortais.    

“Crônicas – Experiências Cotidianas e Transposições” fala sobre conhecimentos sobre adaptações e transposições entre artes, como filmes montados a partir de romances ou peças teatrais.

O foco do blog é compartilhar experiências artísticas e divulgar o ensino de literatura e artes. Colecione estas matérias, apresentadas em textos de 1500 palavras em média, a no máximo 3000 palavras, que podem ser lidos dentre 8 a 16 minutos. Os posts serão apresentados sempre às sextas feiras, no finalzinho do dia, ok? Abração e até a próxima!

Créditos

1. Rodrigo Petrônio, escritor e professor, ministra cursos e oficinas regularmente, em São Paulo, é professor de escrita criativa da FAAP e publicou uma profusão impressionante de livros de poesia, de crônicas, de ensaios, de história e de filosofia.

2. Jocy de Oliveira e Adriana Lisboa, “Realejo de Vida e de Morte” (um roteiro) e “Realejo dos Mundos” (um romance), obras reunidas em um único livro, publicado Relicário Edições, Belo Horizonte, 2023. O livro apresenta roteiro, fotografias, partituras e contém links para ouvir as músicas das obras.

3. João Ventura, músico e pianista sergipano, se apresentou recentemente em São Paulo, dia 25/09 no Blue Note e se apresentará novamente em São Paulo, no dia 24/10/2023, no Teatro B32, com a Orquestra de Heliópolis.

4. Mauro Rasi e Murilo Benício. Mauro, dramaturgo e Murilo, ator e diretor de cinema, trabalharam a peça “Pérola” sob diferentes enfoques e pontos de vista. A peça original foi adaptada para o cinema. Pérola chega aos cinemas em setembro, agora, em 28/09/2023.

5. Luíza Romão, artista, poeta, performer e escritora, a partir de outubro, cumprirá forte agenda internacional, presente em feiras na França, na Alemanha em Frankfurt e em Óbidos em Portugal. Depois passa pela Argentina e na volta ao Brasil, participa da para a Flip, a Feira Literária de Paraty. 

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